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A LUNETA COM LENTE DE ÓCULOS[1]

João Batista Garcia Canalle

Instituto de Física - UERJ

Resumo

            Neste trabalho apresentamos uma sugestão de como construir uma luneta astronômica utilizando apenas materiais facilmente disponíveis no comércio, de baixo custo e de fácil montagem. No lugar da lente objetiva usa-se uma lente de óculos de um grau positivo e no lugar da lente ocular usa-se um monóculo da fotografia. Os encaixes são feitos com tubos e conexões de PVC. Uma sugestão de como construir um tripé para a luneta também é dada. Apesar de se usar materiais rudimentares, os resultados são satisfatórios. As crateras lunares são facilmente observadas, assim como seu relevo, principalmente nas luas crescentes e minguantes.

Introdução

            Um dos experimentos mais importantes de astronomia básica, isto é, a astronomia do de ensino fundamental e médio, é a construção o telescópio; assim, esta foi a preocupação inicial deste autor em cursos de licenciatura para futuros professores do ensino básico. O desenvolvimento de uma luneta de fácil construção, isto é, de simples montagem, que use materiais de baixo custo disponíveis no comércio, resistente ao manuseio de crianças e adolescentes, e que permita ver pelo menos as crateras lunares, é uma tarefa demorada, pois exige a improvisação de muitos materiais e a construção de vários protótipos. Uma versão anterior, um pouco mais trabalhosa foi publicada por Buso et al (1993).

            O objetivo deste trabalho é mostrar, em detalhes, como um professor de ensino básico, com pouquíssimos recursos, pode construir uma luneta astronômica.

            O professor que constrói um experimento didático terá: 1º) a satisfação de ter construído algo; 2º) a oportunidade de ver, pelo menos, as crateras lunares, oportunidade essa que quase nenhum professor já teve; 3º) com esta modesta luneta, de  fabricação  própria, ele permitirá que seus familiares, amigos e vizinhos olhem através dela e 4º) a oportunidade de mostrá-la aos seus alunos. Quando um professor leva um experimento para a sala de aula, ele consegue, primeiro, chamar a atenção dos alunos para o experimento que ele trouxe e em segundo lugar, mais facilmente motivar o aluno para o tema em questão, favorecendo, assim, o melhor aprendizado do mesmo.

            Sempre que os tópicos de astronomia forem ensinados no ensino fundamental ou médio, cabe comentários sobre a luneta, por exemplo: 1º) poderão ser discutidos os aspectos históricos do seu descobrimento, veja por exemplo, o artigo de Évora (1989); 2º) a luneta poderá ser montada e desmontada, fácil e rapidamente, em sala para mostrar a simplicidade de sua construção, desmistificando com isto, sua complexidade; 3º) enfatizar que este é o principal instrumento de observação dos astrônomos. Além disso, permitir que a luneta passe de mão em mão para que vejam a paisagem (invertida) e, se possível, observar as crateras lunares durante o dia (no final da lua minguante ela é visível de manhã), ou durante a noite (na lua crescente é visível logo ao entardecer e na lua cheia e minguante, um pouco mais tarde).

            Sempre que o conteúdo de óptica é abordado nos livros do ensino médio, esquemas de instrumentos ópticos são apresentados, entre eles o de uma luneta, mas nunca é dada uma  sugestão  de como construir essa  luneta. A seguir é dada uma sugestão de como construí-la, porém, nada impede que, dependendo da criatividade e disposição de cada um, seja modificada, aperfeiçoada, simplificada, etc.

As lentes da luneta e seus encaixes

            A luneta é constituída de duas lentes convergentes, que colocadas uma na frente da outra, separadas por uma certa distância, faz com que objetos distantes sejam vistos como próximos. Na frase anterior está toda a teoria da luneta, mas não tem nada que torne simples sua construção. Por isso, abaixo, damos um procedimento que torna simples sua confecção. Procuramos construí-la com os materiais mais comumente disponíveis no comércio, por isso nada impede que se faça alterações em sua montagem, isto depende apenas das disponibilidades e criatividade de cada um.

            Neste trabalho não será feita análise da trajetória dos raios luminosos dentro do telescópio, primeiro porque não é este o objetivo deste artigo e, segundo, porque tal estudo está feito em muitos livros de Física do ensino médio ou de graduação, veja por exemplo McKelvey e Grotch (1981).

            Os materiais críticos para a construção da luneta são as lentes, as quais são difíceis de se encontrar e de preços elevados, por isso vamos usar lente de óculos no lugar da lente objetiva (aquela que fica na frente da luneta e através da qual entra a luz do objeto estudado; a Lua, por exemplo).

            A lente de óculos é adquirida no oculista (lojas que vendem e montam óculos). Para comprá-la você terá que explicar que a lente será usada na construção de uma luneta astronômica, senão o vendedor irá pedir a “receita” do oftalmologista. Toda a lente tem uma distância focal (f) que é a distância entre a lente e o ponto no qual converge a luz do Sol, quando você segura a lente sob o Sol (com o lado convexo voltado para o Sol) e projeta sua luz num ponto de luz intensa (geralmente tentando queimar um pedaço de papel). Só que o vendedor não vende a lente pela sua distância focal e sim pelo “grau” da lente. Mas não há problema, pois se você quiser lente de 1 m de distância focal, peça a lente de 1 grau, se quiser lente de 0,5 m de distância focal, peça lente de 2 graus e se quiser lente de 0,25 m de distância focal, peça lente de 4 graus, ou seja, a distância focal (em metros) é o inverso do “grau”, o qual tem que ser positivo e a lente incolor.

            Neste artigo vamos sugerir que você compre uma lente de 1 grau. portanto, a distância focal é de 1 metro. Quanto ao diâmetro da lente, peça o menor que tiver, geralmente é 60 mm ou 65 mm, pois você vai pedir para o vendedor reduzir o diâmetro para 50 mm. Como é lente para luneta, ela deve ser incolor, de 1 grau positivo (pois é para ver longe).

            Quando for comprar a lente, leve junto uma luva simples branca de tubo de esgoto (conexão de PVC) de 2” (duas polegadas, que é equivalente a 50 mm), veja o item A da figura 1. Solicite ao vendedor para ele reduzir o diâmetro da lente para 50 mm, para que ela se encaixe dentro da luva.

            A segunda lente da luneta é chamada de ocular; é aquela que fica atrás da luneta, onde você posiciona seu olho. Esta lente geralmente é pequena, cerca de 10 a 20 mm de diâmetro, porque sua distância focal é pequena (20 a 50 mm). Esta lente que deve ser convergente (biconvexa ou plano convexa), também é difícil de ser encontrada. Para substituí-la vamos usar a lente contida nos monóculos de fotografias (pequeno porta-retrato que deve ser visto pela pequena lente, em direção a uma fonte luminosa); peça de letra J na figura 1.

            Estes monóculos são vendidos em lojas de foto. Existem em várias cores, mas não importa a cor, porque você precisar revestir as paredes internas do monóculo (ou porta-retrato) com papel camurça preto ou cartolina preta. Quanto às dimensões do monóculo, creio que ele é do tipo pequeno, isto é, a lente tem diâmetro de 11 mm, a distância focal é de 40 mm, o comprimento do monóculo é de 40 mm e a abertura dele (local onde fica a tampa com a foto) é um retângulo de 18x24 mm. O monóculo tem uma pequena alça, pela qual costuma-se pendurá-lo num chaveiro, a qual deve ser removida lixando-se esta alça com uma lixa qualquer (serve até lixa de unha), ou numa superfície áspera qualquer.

            Compre uma bucha de redução curta marrom de 40 x 32 mm (conexão de PVC facilmente encontrada em casas de materiais hidráulicos ou de materiais para construção). Depois de revestidas as paredes internas do monóculo com o papel camurça preto e retirada a sua “alça”, é só encaixar o monóculo dentro da bucha de redução curta marrom (peça de letra I I’ da figura 1). A abertura retangular do monóculo deve ser introduzida na bucha marrom, no mesmo sentido que seria colocado um cano d’água, de 1”, dentro da bucha. O monóculo se encaixa perfeitamente dentro da bucha. Para preencher os espaços laterais entre o monóculo e a bucha, use durepoxe ou massa de modelar, ou argila, ou simplesmente papel amassado, para que o monóculo fique preso e não vaze luz pelas laterais do monóculo.

            Com a lente de óculos no lugar da lente objetiva e a lente do monóculo no lugar da lente ocular, estão improvisadas as partes mais difíceis de serem conseguidas da luneta, agora é só questão de encaixá-las nas extremidades de dois tubos que corram um dentro do outro.

A montagem da luneta.

                        Lista de materiais necessários para a construção da luneta:

Letra

Quantidade

Descrição de Material

A

1

luva simples branca de esgoto de 2” ( = 50 mm)

B

1

lente incolor de óculos de 1 grau positivo

C

1

disco de cartolina preta (ou papel camurça preto) de 50 mm de diâmetro, com furo interno de 20 mm de diâmetro

DE

70 cm

tubo branco de esgoto de 2” ( = 50 mm).

FG

70 cm

tubo branco de esgoto de 1 1/2” ( = 40 mm)

H

1

luva simples branca de esgoto de 1 1/2” ( = 40 mm)

II’

1

bucha de redução curta marrom de 40 x 32 mm

J

2

monóculos de fotografia

L

1

plug branco de esgoto de 2” ( = 50 mm)

a

1

lata de tinta spray preto fosco

a

1

rolo de esparadrapo de aproximadamente 12 mm de largura por 4,5 de comprimento

a

1

lata pequena de vaselina em pasta

a

1

caixa pequena de durepoxe ou similar

            Pinte as paredes internas dos tubos DE e FG com tinta spray preto fosco, mas antes de pintá-las coloque um anel de esparadrapo na extremidade E da parede interna do tubo DE e outro anel de esparadrapo na extremidade externa F do tubo GF (veja a figura 1).

            Depois de completada esta pintura retire os dois anéis de esparadrapo acima mencionados, pois eles estarão sujos de tinta. No lugar do anel que estava na extremidade interna E, coloque tantos anéis sobrepostos de esparadrapo quantos forem necessários para que o tubo GF possa passar pela extremidade E do tubo DE e deslizar dentro deste sem muito esforço. Se necessário, coloque vaselina sobre o último anel de esparadrapo.

            No lugar do anel de esparadrapo que estava na extremidade externa F, coloque tantos anéis de esparadrapos quantos forem necessários para que o tubo GF possa deslizar dentro do tubo ED sem precisar esforço, mas sem escorregar sozinho se os tubos ficarem na vertical. Obviamente será preciso fazer a extremidade G, do tubo GF, entrar pela extremidade D, do tubo ED e sair pela extremidade E, e, então, verificar se eles deslizam suavemente sem muito esforço. Se necessário, coloque vaselina sobre o último anel de esparadrapo.

            Seqüência de montagem: coloque o tubo FG dentro do tubo ED, conforme descrito no parágrafo anterior. Coloque estes tubos na vertical, com a extremidade D para cima. Sobre esta extremidade (D) coloque o disco de cartolina preta ( C ). Se estiver usando papel camurça, coloque a parte preta para cima. A finalidade deste disco é diminuir a aberração cromática; este é o nome dado à dispersão da luz branca (separação de todas as cores) após ela passar pela lente. Sem este disco ( C ) nem a Lua é visível. Faça um teste. Continuando a seqüência de montagem: sobre o disco C coloque a lente ( limpe-a bem) com o lado convexo para cima e, então, encaixe a luva A, conforme indicado na figura 1. É importante que o corte da extremidade D do tubo tenha sido feito perpendicularmente ao eixo do tubo DE.

            O monóculo J já está encaixado na bucha marrom I I’, é só encaixar a bucha na luva H e esta, por sua vez, encaixar na extremidade G do tubo GF.

            Está pronta a sua luneta; para ver a vizinhança é só mirar a luneta e deslocar lentamente o tubo GF ao longo do tubo ED para obter a focalização. Também não se esqueça de que a imagem estará se formando a uns 4 ou 5 cm atrás da lente ocular, por isso não encoste seu olho na ocular (monóculo), e sim a uns 4 ou 5 cm atrás do monóculo.

            Atenção: as peças I I’, H e A devem ser encaixadas, mas de tal forma que seja possível desencaixá-las com certa facilidade, para futura limpeza das peças, por exemplo, por isso é recomendável passar vaselina antes de encaixá-las, se for necessário. Em casos extremos use uma lixa fina para desbastar as superfícies de contato e, depois, coloque a vaselina.

            Também não se espante com a imagem invertida. Lembre-se esta é uma luneta astronômica e em astronomia, cabeça para baixo ou para cima é só uma questão de referencial.

            A aproximação (ou aumento) que esta luneta proporciona é igual à razão entre a distância focal da objetiva pela distância focal da ocular, portanto: 100 cm / 4 cm = 25.

            Você gostaria de dobrar este aumento? É só encaixar mais um monóculo dentro daquele que está preso na bucha marrom. Não se esqueça de revestir as paredes internas deste monóculo com a cartolina preta. Este revestimento e a pintura dos tubos DE e FG é para evitar a reflexão da luz dentro da luneta. Agora a imagem estará se formando a uns 2 cm da lente da ocular, o que facilita a observação.

            A peça L da figura 1 é um plug branco de esgoto de 2” e sua função é proteger a lente quando a luneta estiver fora de uso.

            Como você rapidamente perceberá, seu braço fica cansado ao segurar a luneta e a imagem tremerá muito. Se apoiar o braço em algo facilita a observação, mas o ideal é ter um tripé, para o qual damos a seguinte sugestão:

Fig. 1- Esquema explodido da luneta. L é um plug branco de esgoto de 50 mm de diâmetro, A é uma luva simples branca de esgoto de 50 mm de diâmetro, B é uma lente incolor de óculos de 1 grau positivo com 50 mm de diâmetro, C é um disco de cartolina preta com 50 mm de diâmetro e um furo interno de 20 mm de diâmetro, DE e FG são tubos brancos de esgoto de 50 mm e 40 mm de diâmetro, respectivamente, H é uma luva simples branca de esgoto de 40 mm de diâmetro, I I’’ é uma bucha de redução curta, marrom, de 40 X  32 mm e J é um monóculo (porta-retrato) de fotografia.

O tripé

            As dimensões dadas a seguir são sugestões, nada impede alterações. As letras maiúsculas usadas a seguir são referentes à figura 2. As peças A, B e L são três ripas de madeira de dimensões 1x4x40 cm; C é uma viga de madeira de 5x5x30 cm e H um cubo de madeira de lado 5 cm. As ripas A e B são fixadas na viga C conforme indica a figura 2, pelos pregos P1, P2, P3 e P4.

            Os furos GF e ED são de diâmetro 5/16” (cinco dezesseis avos de polegada). A profundidade de ED deve ser de uns 5 cm e ele estar a uns 10 mm de X medido ao longo da diagonal X X’’ (veja Fig. 3). O furo GF é passante e centralizado no cubo. Por estes furos (GF e ED) passe uma haste com aproximadamente o mesmo diâmetro e comprimento de uns 10 cm. Pode ser, por exemplo, um parafuso de 5/16” de diâmetro, com 10 a 15 cm de comprimento e de cabeça sextavada, ou até mesmo um tubo de caneta “quilométrica” pode ser usado. O bloco cúbico H deve poder girar livremente ao redor da haste que passa pelos furos GF e ED.

            Na ripa de madeira L faça um furo centralizado de 3/16”. Por esse furo passe um parafuso do mesmo diâmetro e comprimento de 3”. Este parafuso passa a ripa, entra no furo IJ (também de 3/16” de diâmetro e passante), pela extremidade J, por exemplo, e sai em I, em cuja extremidade coloca-se um porca-borboleta de 3/16”. A finalidade dessa porca-borboleta é apertar ou afrouxar a ripa L contra o cubo H. Onde vai afinal a luneta? Ela deve ser amarrada por elásticos ou tiras de borracha, ou abraçadeiras (ou barbantes) ao longo da tábua L. A luneta fica, assim, dotada de dois movimentos,: horizontal e vertical.

            Para usar a luneta sobre o tripé é preciso, antes de mais nada, paciência. O tripé deve estar apoiado em algo plano, de altura ligeiramente superior ao do observador; pode ser, por exemplo, um muro, uma mesa ou sobre uma cadeira que está sobre uma mesa, etc.

            Também nada impede que você use uma viga C de comprimento maior que 40 cm, ou que use duas vigas C fixadas uma ao lado da outra, com vários furos Y distribuídos ao longo de seu comprimento, perpendiculares ao seus eixos maiores, tal que sua altura possa ser regulada pelo deslocamento de uma das vigas C ao longo da outra. Estas vigas C podem ser, então, fixadas por 2 parafusos que atravessem as mesmas; veja uma ilustração na figura 3.

Fig. 2- Esquema fora de escala do tripé para a luneta. As dimensões das peças estão no texto.

Fig. 3- Esquema fora da escala, de sugestão de como fazer o tripé mais alto, usando duas vigas  (C ) em paralelo, com vários furos Y, pelos quais pode-se passar 2 parafusos que também passam por Z e Z’ e, assim, regular a altura do tripé

Conclusão

            Esta luneta permite ver as crateras lunares e seu relevo, principalmente quando observada durante as noites de lua crescente ou minguante. As maiores luas de Júpiter também são visíveis, desde que a nossa Lua não esteja presente e se observe a partir de um local escuro.

            Com esta luneta o professor poderá desmistificar a complexidade da construção da luneta astronômica e terá um experimento didático que despertará a curiosidade dos alunos para o tema de astronomia que estiver sendo estudado.

            Recomendação importantíssima: não observe o Sol através da luneta, pois poderá ficar cego.

Referências

Buso, S.J., Crispin, S.C., Pereira, E.F. e Canalle, J.B.G., 1993, A Luneta caseira, Atas do X            Simpósio Nacional de Ensino de Física, Londrina, PR, p. 713 - 717.

Évora, F.R.R., 1989, A descoberta do telescópio: fruto de um raciocínio dedutivo? Caderno Catarinense de Ensino de Física, vol. 6 (número especial), junho de 1989, p. 30 - 48.

McKelvey, J.P. e Grotch, H., 1981, Física vol. 4, Editora Harbra



 [1] Caderno Catarinense de Ensino de Física, vol. 11, n o 3, p.212 - 220, 1994

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